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O Predador Natural da Psique – Conto do Barba Azul

No livro “Mulheres que correm com os Lobos”, de Clarissa Pinkola Estés, temos um mergulho arquetípico, de libertação, totalmente voltado ao predador natural da psique feminina.

Sente-se venha comigo!

Sobre o predador natural da psique

Num único ser humano existem muitos outros seres, todos com seus próprios valores, motivos e projetos.

Existem seres interiores que são completamente loucos e  que destroem sem pensar. 

Mesmo a esses deve ser atribuído um lugar, muito embora seja um lugar que os possa conter. Uma entidade em especial, o fugitivo mais traiçoeiro e mais poderoso na psique, exige nossa conscientização e contenção imediatas: e esse é o predador natural.

Embora a causa de grande parte do sofrimento humano possa ser atribuída a uma criação negligente, existe também dentro da psique um aspecto contra naturam inato, uma força voltada “contra a natureza”. 

O aspecto contra naturam opõe-se só que for positivo: ele é contra o desenvolvimento, contra a harmonia e contra o que for selvagem. Trata-se de um antagonista debochado e assassino que nasce dentro de nós e, mesmo com a viação parental mais cuidadosa, sua única função é a de tentar transformar todas as encruzilhadas em ruas sem saída.

Esse potentado predatório … irrompe no meio dos planos da alma mais significativos e profundos. Ele isola a mulher da sua natureza intuitiva. 

Quando termina seu trabalho destrutivo, ele deixa a mulher com os sentimentos entorpecidos, sentindo-se frágil para seguir adiante na vida. 

Suas ideias e seus sonhos jazem a seus pés, esgotados de qualquer animação.

O conto do Barba Azul

Existe uma mecha de barba que fica guardada no convento das freiras brancas nas montanhas distantes. Como chegou até o convento, ninguém sabe. Uns dizem que foram as freiras que enterraram o que sobrou do seu corpo, já que ninguém mais se dispunha a nele tocar.

Desconhece-se o motivo pelo qual as freiras iriam guardar uma relíquia dessa natureza, mas é verdade. Uma amiga de uma amiga minha viu com seus próprios olhos. Ela diz que a barba é azul, da cor do índigo para ser exata. É tão azul quanto o gelo escuro no lago, tão azul quanto a sombra de um buraco à noite.

Essa barba pertenceu um dia a alguém de quem se dizia ser um mágico fracassado, um homem gigantesco com uma queda pelas mulheres, um homem conhecido pelo nome de Barba-azul.

Dizia-se que ele cortejava três irmãs ao mesmo tempo. As moças tinham, porém, pavor de sua barba com aquele estranho reflexo azul e, por isso, se escondiam quando ele chamava. Num esforço para convencê-las da sua cordialidade, ele as convidou para um passeio na floresta.

Chegou conduzindo cavalos enfeitados com sinos e fitas cor-de-carmim. Acomodou as irmãs e a mãe nos cavalos, e partiram a meio-galope floresta adentro. Lá passaram um dia maravilhoso cavalgando, e seus cães corriam a seu lado e à sua frente. Mais tarde, pararam debaixo de uma árvore gigantesca, e o Barba-azul as regalou com histórias e lhes serviu guloseimas.

“Bem, talvez esse Barba-azul não seja um homem tão mau assim”, começaram a pensar as irmãs.

Voltaram para casa tagarelando sobre como o dia havia sido interessante e como haviam se divertido. Mesmo assim, as suspeitas e temores das duas irmãs mais velhas voltaram, e elas juraram que não veriam o Barba-azul de novo.

A irmã mais nova, no entanto, achou que, se um homem podia ser tão encantador, talvez ele não fosse tão mau. Quanto mais ela falava consigo mesma, menos assustador ele lhe parecia, e sua barba também parecia ser menos azul.
Portanto, quando o Barba-azul pediu sua mão em casamento, ela aceitou. Ela havia refletido muito sobre a sua proposta e concluído que ia se casar com um homem muito distinto. Foi assim que se casaram e, em seguida, partiram para seu castelo no bosque.

Vou precisar viajar por algum tempo, disse ele um dia à mulher.  Convide sua família para vir aqui se quiser. Você pode cavalgar nos bosques, mandar os cozinheiros prepararem um banquete, pode fazer o que quiser, qualquer desejo que seu coração tenha. Para você ver, tome minhas chaves. Pode abrir toda e qualquer porta das despensas, dos cofres, qualquer porta do castelo; mas essa chavinha, a que tem no alto uns arabescos, você não deve usar.

Está bem, vou fazer o que você pediu. Parece que está tudo certo. Portanto, pode ir, meu querido, não se preocupe e volte logo. E assim ele partiu, e ela ficou.

Suas irmãs vieram visitá-la e elas sentiam, como todo mundo, muita curiosidade a respeito das instruções do dono da casa quanto ao que deveria ser feito enquanto ele estivesse fora. A jovem esposa falou alegremente.

Ele disse que podemos fazer o que quisermos e entrar em qualquer aposento que desejarmos, com exceção de um. Só que eu não sei qual é esse aposento. Só tenho uma chave e não sei que porta ela abre.

As irmãs resolveram fazer um jogo para ver que chave servia em que porta. O castelo tinha três andares, com cem portas em cada ala, e como havia muitas chaves no chaveiro, elas iam de porta em porta, divertindo-se imensamente ao abrir cada uma delas. Atrás de uma porta, havia uma despensa para mantimentos, atrás de outra, um depósito de dinheiro. Todos os tipos de bens estavam atrás das portas, e tudo parecia maravilhoso o tempo todo. Afinal, depois de verem todas aquelas maravilhas, elas acabaram chegando ao porão e, ao final do corredor, a uma parede fechada.

Ficaram intrigadas com a última chave, a que tinha o pequeno arabesco.

Talvez essa chave não sirva para abrir nada.  Enquanto diziam isso, ouviram um ruído estranho errrrrrrrr. Deram uma espiada na esquina do corredor e que surpresa!  havia uma pequena porta que acabava de se fechar. Quando tentaram abri-la, ela estava trancada.

Irmã, irmã, traga sua chave, gritou uma delas. Sem dúvida é essa a porta para aquela chavinha misteriosa.
Sem pestanejar, uma das irmãs pôs a chave na fechadura e a girou. O trinco rangeu, a porta abriu-se, mas lá dentro estava tão escuro que nada se via.

Irmã, irmã, traga uma vela. Uma vela foi acesa e mantida no alto um pouco para dentro do aposento, e as três mulheres gritaram ao mesmo tempo, porque no quarto havia uma enorme poça de sangue; ossos humanos enegrecidos estavam jogados por toda a parte e crânios estavam empilhados nos cantos como pirâmides de maçãs.

Elas fecharam a porta com violência, arrancaram a chave da fechadura e se apoiaram umas nas outras arquejantes, com o peito arfando. Meu Deus! Meu Deus!

A esposa olhou para a chave e viu que ela estava manchada de sangue. Horrorizada, usou a saia para limpá-la, mas o sangue prevaleceu.
Oh, não! exclamou. Cada uma das irmãs apanhou a chave minúscula nas mãos e tentou fazer com que voltasse ao que era antes, mas o sangue não saía.

A esposa escondeu a chavinha no bolso e correu para a cozinha. Quando lá chegou, seu vestido branco estava manchado de vermelho do bolso até a bainha pois a chave vertia lentamente lágrimas de sangue vermelho-escuro.

Rápido, rápido, dê-me um esfregão de crina, ordenou ela à cozinheira.
Esfregou a chave com vigor, mas nada conseguia deter seu sangramento. Da chave minúscula transpirava uma gota após outra de sangue vermelho.

Ela levou a chave para fora, tirou cinzas do fogão a lenha, cobriu a chave de cinzas e esfregou mais. Colocou-a no calor do fogo para cauterizá-la. Pôs teia de aranha nela para estancar o fluxo, mas nada conseguia deter as lágrimas de sangue.

Ai, o que vou fazer? lamentou-se ela. Já sei, vou guardar a chave. Vou colocá-la no guarda-roupa e fechar a porta. Isso é um pesadelo. Tudo vai dar certo. E foi o que fez.

0 marido chegou de volta exatamente na manhã do dia seguinte e entrou no castelo já procurando pela esposa.
E então, como foram as coisas enquanto eu estive fora?
Tudo correu bem, senhor.
Como estão minhas despensas? trovejou o marido.
Muito bem, senhor.
E como estão meus depósitos de dinheiro? rosnou ele.
Os depósitos de dinheiro também estão bem, senhor.
Então, tudo está certo, esposa?
É, tudo está certo.

 Bem, sussurrou ele, então é melhor devolver minhas chaves.

Com um relancear de olhos, ele percebeu a falta de uma chave.
Onde está a menorzinha?

Eu… eu a perdi. É, eu a perdi. Estava passeando a cavalo, o chaveiro caiu e eu devo ter perdido uma chave.

O que você fez com ela, mulher?

Não… não me lembro.
Não minta para mim! Diga-me o que fez com aquela chave!

Ele tocou seu rosto como se fosse lhe fazer um carinho, mas em vez disso a segurou pelos cabelos.
Sua traidora! rosnou, jogando-a ao chão. Você entrou naquele quarto, não entrou?

Ele abriu o guarda-roupa com brutalidade e a pequena chave na prateleira de cima havia sangrado, manchando de vermelho todos os belos vestidos de seda que estavam pendurados.

Chegou a sua vez, minha querida, berrou ele, arrastando-a pelo corredor e pelo porão adentro até pararem diante da terrível porta. O Barba-azul apenas olhou para a porta com seus olhos enfurecidos, e ela se abriu para ele. Ali jaziam os esqueletos de todas as suas esposas anteriores.

Vai ser agora!!! — rugiu ele, mas ela se agarrou ao batente da porta sem largar, implorando por clemência.
Por favor, permita que eu me acalme e me prepare para a morte. Conceda-me quinze minutos antes de me tirar a vida para que eu possa me reconciliar com Deus.

Está bem, rosnou ele. Você tem seus quinze minutos, mas prepare-se.
A esposa correu escada acima até seus aposentos e determinou que suas irmãs fossem para as muradas do castelo. Ajoelhou-se para rezar, mas, em vez de rezar, gritou para as irmãs.

Irmãs, irmãs, vocês estão vendo a chegada dos nossos irmãos?
Não vemos nada, nada na planície nua. A cada instante ela gritava para as muradas.
Irmãs, irmãs, estão vendo nossos irmãos chegando?
Vemos um redemoinho, talvez um redemoinho de areia bem longe.

Enquanto isso, o Barba-azul esbravejava para que sua esposa descesse até o porão para ser decapitada.
Irmãs, irmãs! Estão vendo nossos irmãos chegando? gritou ela mais uma vez.

0 Barba-azul berrou novamente pela esposa e veio subindo a escada de pedra com passos pesados.
Estamos, estamos vendo nossos irmãos, exclamaram as irmãs. Eles estão aqui e acabam de entrar no castelo.

0 Barba-azul vinha pelo corredor na direção dos aposentos da esposa.
Vim apanhá-la, gritou ele. Suas passadas eram pesadas; as pedras no piso se soltavam; a areia da argamassa caía esfarinhada no chão.

No instante em que o Barba-azul entrou nos aposentos com as mãos esticadas para agarrá-la, seus irmãos chegaram galopando pelo corredor do castelo ainda montados, entrando assim no quarto.

Ali eles encurralaram o Barba-azul fazendo com que saísse até a balaustrada. E ali mesmo, com suas espadas, avançaram contra ele, golpeando e cortando, fustigando e retalhando, até derrubá-lo ao chão, matando-o afinal e deixando para os abutres o que sobrou dele.

O que este conto nos ensina?

A história do Barba-azul nos fala de um carcereiro, o homem sinistro que habita a psique de todas as mulheres, que denominamos de predador inato.

O Barba-azul simboliza um complexo profundamente recluso que fica espreitando às margens da vida da mulher, observando, à espera de uma oportunidade para atacar. Embora ele possa se apresentar simbolicamente de modo semelhante ou diferente nas psiques masculinas, ele é um inimigo ancestral e contemporâneo dos dois sexos.
É difícil compreender totalmente a força do Barba-azul por ser ela inata, ou seja, inerente a todos os seres humanos desde o instante do nascimento e, nesse sentido, não ter origem consciente.

Os predadores são aqueles que  desejam a superioridade e o poder sobre os outros. Eles sofrem de uma espécie de inflação psicológica pela qual desejam ser mais sublimes do que o Inefável, tão importantes quanto ele e iguais a ele.

O problema com o arquétipo do Barba-azul  é que, em vez de alimentar a luz das jovens forças femininas da psique, ele prefere encher-se de ódio e deseja extinguir as luzes da psique. Não é difícil imaginar que, numa conformação tão maligna, esteja enredado alguém que um dia desejou ultrapassar a luz e caiu em desgraça por essa razão.

Podemos entender por que motivos, a partir de então, o desterrado passou a manter uma perseguição cruel em busca da luz dos outros. Podemos imaginar que sua esperança seja a de que ele, se conseguisse reunir uma quantidade suficiente de almas, poderia acender uma chama de luz que afinal erradicaria as trevas e corrigiria sua solidão.

Nesse sentido, no início do conto temos um ser terrível no que diz respeito ao seu aspecto não redimido. No entanto, esse fato é uma das verdades cruciais que a irmã mais nova deve reconhecer, que todas as mulheres devem reconhecer: a de que tanto interna quanto externamente existe uma força que atuará opondo-se aos instintos do Self natural e de que essa força maligna é o que é. 

Embora talvez pudéssemos sentir compaixão por ela, nossos primeiros atos devem ser o do reconhecimento da sua existência, o de nos protegermos da sua devastação e, afinal, o de privá-la de sua energia assassina.

Todas as criaturas precisam aprender que existem predadores. Sem esse conhecimento, a mulher será incapaz de se movimentar com segurança dentro de sua própria floresta sem ser devorada.

Compreender o predador significa tornar-se um animal maduro pouco vulnerável à ingenuidade, inexperiência ou insensatez.

Como um rastreador sagaz, o Barba-azul percebe que a filha mais nova está interessada nele, ou seja, que se dispõe a ser sua presa. Ele a pede em casamento e, num momento de exuberância juvenil, que é muitas vezes uma mistura de loucura, prazer, felicidade e interesse sexual, ela diz sim. Que mulher não reconhece esse enredo?

Para conter o predador natural da psique, é necessário que as mulheres permaneçam de posse de todos os seus poderes instintivos. Alguns deles são o insight, a intuição, a resistência, a tenacidade no amor, a percepção aguçada, o alcance da sua visão, a audição apurada, os cantos sobre os mortos, a cura intuitiva e o cuidado com seu próprio fogo criativo.

Texto montado com trechos do livro Mulheres que correm com os lobos de Clarissa Pinkola Estés

Aullllllllllll

Agora vamos mergulhar ainda mais em cada etapa desse conto!

Vamos lá! 

Tamaris Fontanella

Mergulhe com as Clarissas!

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